sábado, 10 de outubro de 2020

Hormonização, o que muda?

 


Anteriormente postei um texto falando sobre algumas dificuldades enfrentadas por mim, durante o começo da hormonização, logo que decidi iniciá-la. Hoje, vou contar um pouco mais, e certamente ainda terá assunto para outro post.

Quando decidi me hormonizar, procurei ajuda clínica, para ser mais específica, fui à UBS República (quase em frente à Prefeitura de SP), onde tem um programa de acolhimento e atendimento à pessoas trans. Ume amigue me indicou e foi comigo, porque eu estava muito insegura, com medo, apavorada na verdade. Por quê? Ora, na cidade onde vivo não existe esse tipo de atendimento, e aqui o que predomina é indiferença e desrespeito, tive medo que isso fosse ocorrer lá também, mas não. Fui muito bem atendida, fizeram meu cartão SUS na hora, com meu nome, tudo bonitinho.

Bem, depois de uma bateria de exames e uma entrevista bastante necessária e muito bem conduzida, a médica me deu a receita. Tomei os medicamentos por um tempo, mas além de todo o caos mental que relatei no texto anterior, ainda tiveram outros fatores que me fizeram interromper a hormonização. 

Aí veio aquela fase que contei antes. Quis desistir de tudo, de mim mesma, de meu futuro, joguei os medicamentos fora, mas mantive a receita guardada, o por que eu não sei. Talvez, lá no fundo, eu tivesse certeza que voltaria à hormonização.

Bem, nesse meio tempo comecei a refletir muito sobre o tipo de vida que queria levar, ponderei a respeito das possibilidades de me esconder numa figura ajustada ao padrão héterocisnormativo sabendo que não sou assim, ou enfrentar as adversidades, os perigos e provável rejeição de algumas pessoas, para ser quem verdadeiramente sou. Optei pela segunda, mas não sabia o que fazer ainda.

Comecei fazer caminhada e mudei minha alimentação, queria a todo custo que o colesterol baixasse e queria treinar meu sedentário coração. Quando retornei para ver os resultados dos exames, a médica me disse que tudo estava bem, como da primeira vez que entreguei os exames. O que me levou a interrupção, foi uma crise de ansiedade que acabou desregulando todo meu metabolismo, e eu sem o conhecimento necessário, atribui tudo aos hormônios. 

Bem, voltei a tomar a medicação. Um mês depois já comecei ver algumas mudanças. A textura da pele começou mudar, os pelos estão demorando mais para crescer, e os que estou eliminando a laser, praticamente não cresceram, antes cresciam rápido.

No início, me senti muito mole, sem vontade de fazer nada, um cansaço fora do normal, vontade de dormir o dia todo, de me isolar, mas aos poucos isso foi passando e hoje já estou mais ativa que antes. Não tive alterações de humor de forma perceptível, ainda...rsrsrs. E como estou numa fase onde fujo de qualquer relacionamento que não seja amizade, não sei se a baixa libido é por conta disso (evitar relacionamentos), ou se pelo fato de estar completamente imersa em textos e projetos. 

Notei que meu sono melhorou bastante, e o tédio que antes me assolava desapareceu também. Ah, sim... Tenho enxaqueca crônica e tomo remédio controlado para inibi-la, no entanto, depois que iniciei a hormonização só tive dois picos de dor, mas tiveram causas muito bem determinadas, uma porque passei muito do horário de me alimentar e outra porque virei a noite escrevendo. Dizem que a hormonização pode atacar a enxaqueca, ainda não tive essa experiência horrível, e espero não tê-la nunca. 

Vale ressaltar aqui que apesar de enfrentar inúmeros problemas sociais por conta da minha transgeneridade e hormonização, só consegui me equilibrar em espírito, mentalidade e ação, porque disponho de vários privilégios. Infelizmente a realidade não é igual para todes, e obviamente existem histórias infinitamente mais complexas que a minha e isso deve ser refletido por nós e sempre que pudermos, estendermos a mão para ajudar essas pessoas.

Não vou dizer que meus medos desapareceram, porque não seria verdade. Mas procuro não pensar neles o tempo todo. Mas ainda tremo de pavor ao sair na rua, tenho medo de ser vítima de violência gratuita por ser quem sou. Estou na faixa limite de idade que as estatísticas apontam para a média de vida de uma pessoa trans, e toda vez que penso sobre isso, sinto uma contagem regressiva sobre minha cabeça, mas procuro afastar essa preocupação e procuro me manter o mais neutra possível quando estou nas ruas. É uma triste realidade, mas a passabilidade evita mortes, constrangimentos, suicídios e agressões... No entanto, não deveria ser assim. Todes deveriam ser livres para se expressarem e serem quem são. Acontece que não vamos conquistar esse tão sonhado patamar se não lutarmos. Existem muitas formas de lutar, sabe? O voto em pessoas que nos representam é uma delas, educar as pessoas ao nosso redor é outra, estudar sobre assuntos trans e produzir conteúdos é mais uma, então assim, apesar de a passabilidade ter essa importância para a sociedade cis, não deve ter para nós da população trans, sério mesmo. Não podemos nos fazer reféns dela. Claro que é um direito e um desejo individual a pessoa se tornar passável ou não, mas precisamos desconstruir essa visão que valida a experiência e a vida somente das pessoas passáveis, é um absurdo e precisa ser combatido.

Por que falei sobre passabilidade aqui? Bem, era um forte desejo meu. Me tornar completamente passável, mudar de cidade e apagar o passado, mas depois de muito pensar, percebi que isso é besteira. Minha história é única e deve ser contada na íntegra. Os resultados que eu conseguir com a hormonização serão satisfatórios para mim, sério mesmo. Não vou mentir e dizer que não sou vaidosa, sou, apesar de não ser dedicada à aparência, sinto necessidade de sempre mudá-la para que eu me sinta confortável comigo mesma. Até aonde isso vai? Não sei. Mas não tenho mais essa neura absurda com a passabilidade.

Bem, é isso. Ainda há umas coisinhas para dizer, mas faço isso em outro texto. Ah, e vou atualizando vocês sobre os efeitos da hormonização. 

Beijos da Pri!!!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens recentes

Lobisomem: o Apocalipse e a transgeneridade

  Lobisomem: o Apocalipse e a transgeneridade. Bom, para começar esse texto terei de fazer uma breve apresentação do jogo Lobisomem: o Apo...