Todes nós sabemos que o Brasil é um dos países onde acontecem mais assassinatos de pessoas trans, mas como isso afeta diretamente a população? Como o povo vê isso?
Não vê. Simples assim. A mídia sexista, machista, burguesa, transfóbica e racista, oculta o quanto podem os casos de violência contra uma enorme parcela da sociedade. Às vezes, um caso ou outro aparece em grandes veículos de mídia, ou porque teve grande repercussão ou porque é interessante para alguém que não pertence à classe violentada.
De acordo com o site antrabrasil, somente neste ano de 2020 entre os meses de janeiro e fevereiro tivemos um aumento de 90% nos números de assassinatos de pessoas trans e travestis em relação ao ano passado. Parece pouca coisa quando falamos em números, mesmo quando dizemos que a cada três dias, uma pessoa trans ou travesti é assassinada no país.
A violência está diretamente ligada a um discurso de ódio que se espalha cada vez mais por entre as camadas sociais. Esse discurso vem disfarçado de valores familiares, crenças religiosas e determinismos biologizantes, no entanto, nada disso faz sentido de fato, a única coisa que se mostra verdadeira para garantir que essa violência continue é a ignorância e a falta de empatia.
Vimos nos últimos anos inúmeros movimentos sociais ganhando força nas redes sociais e pela internet à fora, mas há algo que me incomoda profundamente. A participação de pessoas cisgêneras e heterosexuais nessas movimentação, ou seria melhor dizer, a não participação dessas pessoas nos movimentos.
Não estou aqui para diminuir luta alguma. Todas as lutas que visam o bom convívio social, o aumento da empatia e o respeito ao próximo, é uma luta válida e necessária. No entanto, parece que as causas LGBTQPIA+ parecem desnecessárias aos olhos da população.
O número de pessoas que protestam contra o aumento da passagem nos transportes coletivos é infinitamente maior que as pessoas que protestam contra os direitos negados à população LGBTQPIA+, e isso não é uma estimativa, é uma constatação. As pessoas parecem lutar somente por aquilo que lhe afetam diretamente. Mas ignoram o fato que a luta de um é a luta de todes.
Quando um homem negro morreu brutalmente sufocado nos EUA por policiais, a sociedade se levantou e gritou por todos os canais imagináveis que vidas pretas também importam. Isso foi mágico, porém, tudo durou poucos meses em alguns países, em outros, só algumas semanas, e pronto, ninguém mais se importa com as pessoas pretas da mesma forma como quando estavam protestando.
Esse tipo de movimentação coletiva não acontece quando uma pessoa trans ou travesti é assassinada. Só esse ano, até o mês de agosto, foram registrados 129 casos de assassinatos contra a população trans e travesti, e você viu alguma comoção coletiva por alguma delas? Não. Por quê?
Pode parecer premeditado dizer isso, mas a população nacional é guiada por ideologias transfóbicas, misóginas e racistas, e por conta disso, violência contra mulheres, pessoas pretas e pessoas trans é completamente invisibilizada. É como se não fossemos importantes para a sociedade, é como se não existíssemos.
Sempre vejo pessoas cis cobrando a participação de pessoas trans nos movimentos sociais, mas não as vejo levantando nossas bandeiras. Não precisa ser preto para lutar contra o racismo, não precisa ser LGBTQPIA+ para lutar conta homofobia e transfobia, não é necessário ser mulher para lutar contra o machismo, só é necessário empatia.
Mas não temos isso de vocês, pessoas cis. Não vi empatia quando uma travesti foi morta à pauladas no meio da rua com várias pessoas assistindo e fotografando para postar depois, não vi empatia quando uma moça trans foi morta e teve seu coração arrancado pelo assassino, não vi empatia ou comoção quando uma travesti com mais de cinquenta anos teve sua residência invadida e foi assassinada à facadas dentro de casa, não vi nenhuma comoção ou sinal de empatia quando o namorado matou a namorada trans em Mairinque, ou quando Branca foi morta a tiros no Ceará.
Compreendem a gravidade da situação? Nós pessoas trans e travestis estamos expostas à violência gratuita unicamente por sermos quem somos. É algo inconcebível em qualquer nível de sociedade. A empatia e o respeito deveria ser a base de toda e qualquer sociedade, e não o ódio e a exploração.
São Paulo é o estado campeão em assassinatos da população LGBT no Brasil. Uma grande metrópole, com uma diversidade gigante e ainda assim, encontra-se uma imensa dificuldade de viver sua própria vida, ser quem você é e se expressar assim, pois, a violência dita a vida das pessoas.
Sabe, as pessoas precisam entender urgentemente que quando lutamos por um grupo, estamos lutando por todos os outros. Estamos dizendo à ideologia dominante "Não!", e isso é muito poderoso. Toda vez que permitimos que um grupo seja prejudicado pela sociedade, estamos permitindo que o grupo ao qual fazemos parte também seja prejudicado.
A ideologia dominante é muito segregacionista e procura minar os meios de expressão e ditar a forma do convívio social, pois, isso é interessante para manter algumas pessoas no poder. Se permitirmos que exterminem os indígenas, que roubem completamente suas terras, estaremos dizendo à essas pessoas que, todo e qualquer grupo está sozinho e é um alvo em potencial para "ELES". Quando deixamos de lutar ao lado das pessoas pretas, estamos abrindo mão de direitos nossos também, e assim o é com os direitos LGBTQPIA+, das crianças, dos idosos, dos trabalhadores, das mulheres e etc... Até que não reste mais grupos para perder seus direitos.
As pessoas possuem a pecha de acreditar que a luta do outro não lhe interessa, mas interessa sim. Você não luta pelos gays, pelos pobres nem pelos pretos, porque você é hétero, branco e classe média, mas quando chegar a sua vez, você vai pedir ajuda de quem? Será que ainda restará alguém a quem se valer? Será que alguém vai lhe ajudar, visto que não ajudou ninguém?
Éh... Complicado não é mesmo?
Os assassinatos de pessoas trans e travestis são o resultado de uma forte ideologia de pureza hipócrita, totalmente transfóbica e sem nenhuma razão para existir. Hoje, com as mídias e as redes sociais dominando o modo de vida das pessoas, o ódio às diferenças cresce muito rápido e acaba gerando muitos conflitos meticulosamente arquitetados. O problema é que isso nunca tem fim, é um círculo vicioso, onde hoje se odeia o preto, amanhã se odeia o muçulmano, depois de amanhã se odeia os franceses, semana que vêm odiaremos a raça humana como um todo.
Precisamos acabar com o ódio. A única maneira disso acontecer é nós nos unirmos, independente do grupo ao qual pertencemos, pois, acima de todos os grupos e classificações, somos humanos. E até onde se sabe, somos únicos no Universo, somos a coisa mais rara que existe, somos dignos de adoração, veneração, contemplação e amor. Todo ser humano é um mistério universal, é um ser incomparável, e não podemos odiar algo assim.
Beijos da Pri!
#amorsemlimites #vidastransimportam #chegadeviolencia
E viva a resistência...👊
ResponderExcluirPara sempre!
ResponderExcluirVamos (Re)existir!