sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Feminícidio, por que é importante falar sobre isso?

 


Nesta véspera de Natal a juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi foi assassinada na frente das filhas pelo ex-marido.

Devido a inúmeras ocorrências de ameaças, a juíza possuía escolta armada, no entanto, atendendo a um pedido da filha, que disse que o pai não era bandido, pra ela precisar de escolta, acabou liberando seus seguranças e o ex-marido aproveitando-se da situação a esfaqueou e a matou na frente das filhas. Não vou colocar os detalhes aqui para evitar gatilhos, mas foi brutal.

Matérias como essa não são incomuns no Brasil e no mundo. Consegue imaginar esse grau de violência gratuita?

Feminicídio é o termo usado para designar crimes de ódio contra a mulher, e a maioria ocorre em situação de violência doméstica, praticado por companheiros, ex-companheiros e familiares, também ocorrem por misoginia, que bastante comum. Esse tipo de crime aumentou muito durante a pandemia, período em precisamos ficar em casa com os potenciais agressores.

Esse tipo de crime possui características muito marcantes, sendo algumas delas: o companheiro ou ex, atacar e matar a vítima por não aceitar o término da relação, por não conseguir dominá-la como imaginou ser possível, por ela não aceitar ser objetificada, por conta de relacionamentos extraconjugais e pelo simples fato delas serem mulheres.

Muitos homens criticam os fatores agravantes adicionados às leis de proteção à mulher, dizendo que não é justo, que é um crime como qualquer outro, e que medidas protetivas cada vez mais intensas são desnecessárias. Bem, vimos que não é. A maioria das pessoas que criticam as leis de proteção à mulher e mesmo o termo feminicídio, são pertencentes a dois grupos: um constituído de pessoas sem instrução, alienadas politica e socialmente. E o outro constituído de reacionários misóginos.

Quando levantamos a questão do feminicídio, estamos mostrando à sociedade um grave problema enraizado em nossas estruturas sociais. O homem se acha dono da mulher, acredita ter o direito de controlá-la como uma posse, um objeto. O homem em nossa sociedade acredita ter o direito de revidar suas frustrações no relacionamento, com violência e assassinato; e a sociedade faz vista grossa para essa questão.

Não é incomum escutarmos pessoas defendendo assassinos de mulheres, enquanto colocam a culpa nelas. Os homens nunca erram em nossa sociedade, eles são apenas vítimas de nossa expressão, liberdade e sensualidade. Ahã, sei!

No Brasil existe uma cultura muito forte de violência contra a mulher, e as leis punitivas referentes a esse tipo de crime, são bastante brandas se comparadas a outros crimes. Nosso país cultua a liberdade masculina e recrimina a feminina, o que faz alguns homens pensarem que podem tratar as mulheres como quiserem. Quando levantamos a pauta do feminicídio, estamos pedindo às autoridades que olhem para esses crimes com mais atenção, que criem meios de proteção mais abrangentes e mais eficientes, que as punições desestimulem a reincidência da ação, e que haja um plano nacional de educação baseado no respeito mútuo.

Na última década mais de 40 mil mulheres foram vítimas de feminicídio. Ou seja, nossa sociedade odeia mulheres. E por que isso não pode ser tratado como um crime comum, ou por que isso é tão grave?

A incidência de mulheres que assassinam homens por qualquer motivo que seja, é infinitamente menor que a situação inversa. Não é comum escutarmos notícias de mulheres que mataram os ex-maridos após a separação, ou após a descoberta de um relacionamento extraconjugal, ou pelo fato dela não conseguir manipulá-lo, não é mesmo? No entanto, isso é comum de acontecer quando invertemos os lados. O que mostra sérios problemas de moralidade e justiça na sociedade. Por isso é tão importante falar em feminicídio, porque é um problema crescente em nossa sociedade. E por isso também que deve ser tratado como um tipo específico de crime, para que ações de contenção possam ser devidamente elaboradas e aplicadas.

O feminicídio atravessa todas as camadas sociais, como você percebeu ao ler o início do texto, uma das vítimas dessa véspera de natal (sim, há mais) era uma mulher de relativo poder, branca, detentora de recursos e instruída, e nada disso a tirou da lista de vítimas. 

Vale lembrar que a mulher em nossa sociedade é constantemente exposta a inúmeras formas de violência: verbal, psicológica, abusos emocionais, violência física e sexual, sendo o feminicídio a violência extrema contra nós (sim, nós. Sou não-binárie com expressão de gênero feminina ^^).

Diversas organizações mundiais já se deram conta de que esse é um grave problema global e estudam meios de controlá-lo e erradicá-lo, mas para que isso aconteça, toda a sociedade precisa entender que protesto não é frescura, que ativismo não é para se aparecer e que todas as pessoas são iguais em direito. Uma das maiores barreiras que encontramos em relação ao respeito e a diversidade, é a postura masculina em relação à sociedade. E não é exagero isso que estou dizendo, o homem realmente se vê como superior, principalmente se for branco e hétero.

Como seriam as leis de nossa sociedade se a cada dia 8 homens morressem nas mãos de mulheres? Ou se durante um confinamento pandêmico, o número de mortes de homens mortos pelas esposas, mais que dobrasse? Será que fariam vista grossa e diriam que a culpa foi deles?

Quando falamos de feminicídio, estamos lançando um alerta para as pessoas, mostrando o quão grave é a situação, que nós mulheres sofremos violência gratuita e nada é feito à respeito. Vemos mulheres sendo maltratadas, mas nos calamos e evocamos aquele infame ditado "em briga de marido e mulher não se mete a colher", para nos eximir de nossa responsabilidade social. Vemos mulheres sofrendo diversos tipos de assédio, mas não denunciamos, ficamos esperando a próxima vez, ou esperando a situação piorar, porém, quando a situação piora, ou a próxima vez chega, talvez a vítima não tenha mais uma próxima vez, talvez não haja mais possibilidades de ajudá-la.

Qualquer análise fria de dados mostra que as mulheres ao redor do mundo sofrem incontáveis vezes mais violência que os homens, e quando observamos essas violências sendo praticadas por pessoas dos gêneros opostos, novamente as mulheres sofrem infinitas vezes mais. E mesmo assim, mentes medievas reacionárias tratam como se isso fosse uma ação midiática para chamar a atenção de uma bandeira. Estamos falando de vidas, de pessoas que são agredidas, violentas e assassinadas por serem quem são. 

Feminicídio não é brincadeira, não é modinha, não é frescura e não é um crime comum, e com tudo isso, precisa ser tratado da forma correta para que possa ser evitado. Todes temos a responsabilidade social de manter as pessoas em segurança, então, não compactue com a opressão e a violência, denuncie, pois, quem se cala está invariavelmente do lado do opressor/assassino/assediador/corrupto etc. Falar sobre feminicídio é apontar essa violência especifica direcionada a nossa condição de existência, o que é repugnante numa sociedade democrática. Por isso é tão importante falarmos sobre isso.

Nenhuma a menos! Denuncie o machismo! Parem de nos matar! Estado violador!  


Beijos da Pri!





4 comentários:

  1. Uma reflexão muito importante e um grito de socorro extremamente urgente.
    Adoro sua sensibilidade. Te amo gata!

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  2. A sociedade está cada vez mais intolerante e perigosa para nós mulheres. E é triste ver homens negando essa situação por pura arrogância.
    Gostei da postagem, mas isso não é surpresa.

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    Respostas
    1. Pois é!
      Eu realmente não consigo entender essa lógica, mas vamos seguindo na luta.
      Obrigada!

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