sábado, 22 de maio de 2021

Além de banheiros e pronomes


A população trans não reivindica somente acesso igualitário aos banheiros e uso correto de seus pronomes. Existem inúmeras questões das quais somos dependentes no meio social, diversas pautas que levantamos e são completamente ignoradas e ridicularizadas. 
No entanto, as mesmas pautas, são motivos de incansáveis debates e votações, quando são direcionadas às pessoas cisgêneras.

Acredite, somos excluídes de tantos processos sociais, que assombraria uma pessoa cis, viver um único dia em nossa pele.


O medo constante de sermos assassinades é real. Nenhuma pessoa trans caminha pelas ruas desse país em completa paz. Não conseguimos imaginar nossa velhice, muites de nós nem sequer planejam suas velhices, pois o medo de morrer antes é maior do que essa possibilidade.

Algo tão comum e corriqueiro para as pessoas cisgêneras, que é o ato de envelhecer, para nós no momento atual, é golpe de sorte. Enquanto muitas pessoas dizem que querem morrer, nós queremos só mais um dia para viver, pois cada dia pode ser nosso último, e não estou citando a lei da entropia, mas o fato de sempre podermos encontrar o termo de nossas vidas através da violência horripila que forma as bases da nossa sociedade.


Pessoas cisgêneras possuem a opção natural de passarem ou não pela reprodução, as transgêneras nem sempre. Por conta dos hormônios, muitas pessoas trans perdem a fertilidade com o tempo, e muitos casais trans não possuem a configuração biológica necessária para uma reprodução caseira (como dizem por aí). 

Mesmo quando optamos passar pelo processo reprodutivo, isso é muito mais complicado do que para as pessoas cis. Primeiro que nem sempre isso é possível, por conta da situação citada acima, e também porque nosso país não preserva material genético para esses fins, não de maneira acessível a todes.

Clínicas de fertilização não possuem apoio e acolhimento necessário para atender pessoas trans, e muitas pessoas trans nem sequer tentam esse processo, justamente pelo receio de maus tratos.

E mesmo numa possibilidade de uma reprodução bem sucedida, encontramos a violência social que implica em nos retirar dos papeis de progenitories e de cuidadores (cuidadores; eu estou usando como substituto para pai, mãe e pessoas que criam/cuidam de uma criança ou adolescente). Socialmente a opção e a condição de construir famílias nos é negada e questionada, o que não acontece com pessoas cis. 


Não somos vistes socialmente como humanos, e isso não é exagero nem vitimismo, é uma fatídica realidade.
Se temos de lutar por direitos básicos que para outras pessoas nem são questionados mais, como o livre acesso à espaços públicos, identidade, educação, trabalho, aposentadoria, reprodução, segurança e saúde, é porque não estamos inserides nas leis universais de direitos humanos.

E enquanto algumas pessoas riem da constituição e dizem que não serve para nada e que são pessoas desconstruídas, nós lutamos para sermos inserides nela.

Futilidades como: passabilidade, maquiagem, cirurgias plásticas, estética pessoal socialmente padronizada e etc, podem salvar nossas vidas. Enquanto pessoas as repudiam, nós as usamos por motivos de segurança. E ainda somos questionades por conta disso. Acontece, que quem repudia esses valores, já passaram por eles, ou não precisam usá-los para manter sua segurança pessoal intacta, nós precisamos. 


Inúmeras vezes já me questionaram se eu realmente tinha os títulos que apresentava, ou duvidaram que eu fosse educadora e até escritora. Isso baseando-se única e exclusivamente em minha transgeneridade.

Não é invulgar isso acontecer. Quando apresentamos uma ideia interessante, procuram a fonte de onde copiamos, ou nos perguntam de onde tiramos, que canal, autor ou teórico disse aquilo. 

Isso não é preconceito? Com certeza é! Todas as pessoas são capazes de intelectualidade, e a transgeneridade ou a cisgeneridade não deve ser padrão para isso.

Outra imposição negativa que nos atribuem é a da infidelidade, é muito comum ver pessoas nos taxando de promísques, e novamente tendo como base nossa identidade de gênero.


Ai ai... Quando uma pessoa fala que é trans, instantaneamente se forma uma imagem binária e completamente errônea na cabeça da maioria das pessoas. Primeiro que algumas pessoas insistem em dizer que homens trans são lésbicas caminhoneiras e que mulheres trans são gays efeminados. O que é um absurdo já na concepção desse pensamento.

Homens trans podem ter qualquer sexualidade, assim como as mulheres trans também. E nem toda pessoa trans é homem ou mulher, como já disse em postagens anteriores, existem diversas identidades de gênero.

Um ponto extremamente irritante é as pessoas questionarem se nossos nomes são nomes de verdade. Ou de quererem a todo custo descobrir os nomes de registro das pessoas trans. Isso não acontece quando uma pessoa cis se apresenta com um apelido ou nome social, ou alguém já foi perguntar para o Silvio Santos se o nome dele é de verdade, ou a Anitta, Gustavo Lima, Rob Gordon e outres mais.

Nossas identidades são reais, são válidas e precisam ser respeitadas.  


Qual a pessoa trans que nunca perdeu amizades depois de se assumir trans? Quantas não perderam suas famílias, por serem afastadas, expulsas ou excluídas delas?

Sempre que conhecemos uma nova pessoa, somos aterrades em perguntas sobre nossa transição, sobre nossa vida e sobre coisas que não se perguntam para pessoas numa conversa rotineira. A socialização acaba virando um programa de entrevistas, isso é desconfortável.

Em relacionamentos é bem pior. Algumas pessoas não compreendem que ser trans não nos impedem de criar laços e desenvolver sentimentos pelas pessoas. Muitas nos veem como objetos, como incapazes de amar, respeitar e etc. 

E não é incomum a rejeição de uma socialização ou paquera pelo simples fato de saber que somos trans. Como se a transgeneridade apagasse tudo o que podemos oferecer de bom numa amizade ou relacionamento.

Sempre que iniciamos uma conversa com alguém novo, ficamos receoses e esperando as perguntas incomodas. O que não acontece numa conversa comum com pessoas cis.


É estranho pensar que muitas pessoas que não sabem quando uma pessoa é trans, a tratam de uma maneira, e depois quando ficam sabendo, mudam a forma de tratamento. 

Nós somos vítimas da violência incoerente que ronda o país e ao mesmo tempo somos alvos de fetiches perversos que dominam as industrias pornográficas. É uma dicotomia muito grande.

E essa fetichização não ocorre só de forma comercial ou relacionada ao prazer sexual, mas muitas vezes quando uma pessoa sabe que outra e trans, fica a pensar sobre a genital da trans. Mas para quê? Ninguém olha pra uma pessoa cis, da qual não se tenha interesse, e fica a pensar sobre sua genitália, por que conosco ficam? Qual é a diferença que isso faz? Você está falando com uma pessoa ou uma genitália?

Enfim, deu para ver que nossas pautas são muito mais que banheiros e pronomes, né?

Beijos da Pri! ^^

 

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