sábado, 6 de novembro de 2021

Drag Queen, Transformista, Crossdresser e Travesti são a mesma coisa?

Como sabemos, palavras, termos e designações são criadas e modificadas através do tempo, de acordo com a necessidade de uma comunidade/grupo e nem sempre essa necessidade é boa.

Nos anos 80/90 era muito comum ver artistas com vestes coloridas, esvoaçantes, maquiagem pesada e interpretando um papel instituído de forma padronizada a um determinado gênero, ou identidade de gênero, para ficar mais claro.

Muitos homens vestiam roupas que são atribuídas ao gênero feminino, se maquiavam e apresentavam performances musicais ou de dança expressando essa identidade artística. Na época, os termos andrógino e transformista eram muito usados, mas ambos em contextos diferentes.

A androginia é uma forma de expressão social, ou expressão de gênero, na qual a pessoa se apresenta socialmente misturando características tipicamente masculinas e femininas, exemplo: Bowie, Billy Idol, Desireless. Isso não quer dizer que a pessoa era não-binária ou bissexual, veremos adiante.

Os anos 80 foi o auge da expressão, inegavelmente muita coisa boa aconteceu naquela década. As pessoas se sentiam empoderadas, havia uma necessidade de se expressar, mesmo que ninguém entendesse sua expressão. O termo transformista é uma demonstração dessa necessidade por expressão, mesmo que fosse somente no campo artístico.

Transformistas eram pessoas que se vestiam de acordo com a regra padrão instituída ao gênero oposto ao qual a pessoa pertencia. Essa "transformação" se dava no campo artístico. Homens que "se vestiam de mulheres" ainda se consideram homens, ainda cumpriam seus papeis sociais vinculados ao gênero masculino, e isso estava completamente desvinculado da sexualidade da pessoa. Sim, homens gays, héteros e bissexuais atuavam interpretando uma personagem feminina, mas não se identificavam com a feminilidade o tempo todo, era meramente um artifício teatral.

Depois de um tempo, talvez por conta da mania de importar termos em inglês, transformista tornou-se crossdresser. Bem, é exatamente a mesma coisa. Pessoas que se vestem com adereços estipulados como sendo pertencente ao gênero oposto ao dela, e assim, a pessoa interpreta uma personagem durante um curto período de tempo, mas sempre mantendo suas identidades de gênero, pois, elas não se identificam como sendo suas próprias personagens.

Uma pessoa Crossdresser gosta de se vestir de determinada forma e encarnar uma personagem, algumas vezes por ser seu trabalho e outras só por diversão mesmo, pelo prazer artístico de interpretar, mas essas pessoas não se sentem de fato conectadas ao gênero que interpretam, não são suas personagens.

Pri, mulher pode ser transformista/crossdresser? 

Claro que sim. Qualquer pessoa pode, independente de sua identidade de gênero ou sexualidade. É uma expressão artística e a arte não tem designo de gênero, todes podem ser artistas. Mas é importante salientar que Crossdresser não determina que a personagem seja feminina, geralmente a pessoa interpreta uma personagem, uma identidade artística do gênero oposto ao seu, já Drag Queen são sempre personagens femininas.

Drag Queen é outra expressão artística parecida com crossdresser, porém, tem suas diferenças fundamentais. Quem faz drag, se maquia e se veste com adereços tidos como femininos, mas a principal característica de uma drag é o exagero. Seja nas cores, nas plumas, tecidos de diversas texturas, transparências, nos cílios absurdamente alongados ou na composição totalmente exagerada, uma drag não passa despercebida, não se camufla na multidão, muito pelo contrário, uma drag atrai todos os olhares para si.

Qualquer pessoa pode ser uma Drag Queen. Basta criar uma personagem e encarna-la por algum tempo, lembrando que tudo precisa sem composto para representar a essência da sua personagem, não é só ser berrante, sempre há um propósito por trás. Uyra Sodoma, por exemplo, agrega elementos naturais à suas fantasias, pois, sua drag amazônica é muito engajada com as causas de preservação ambiental. Uyra é conhecida mundialmente por suas performances que misturam arte e ativismo. Outro exemplo mundialmente famoso é Pablo Vittar. Pablo é um homem cisgênero, gay, que faz drag. Enquanto está no papel de sua personagem que usa seu próprio nome, porém, com gênero distinto, ela atende pelos pronomes femininos, e 'a' Pablo só existe como drag, já 'o' Pablo existe no tempo em que está sem as vestes femininas e fora do palco. 

A arte Drag abriga muitas mulheres que interpretam personagens exageradas, é uma arte livre, aliás, toda arte é livre (desde que mantenha o respeito à ética). Então, há homens e mulheres que fazem drag? 

Sim, há. Inclusive pessoas Não-binárias também. Bem, acho que deu pra entender até aqui né? Drag Queen e Crossdresser/Transformismo, são expressões artísticas, elas não determinam o gênero das pessoas e nem suas sexualidades.

Travesti é uma identidade de gênero feminina existente somente no âmbito latino-americano. 

Espera, identidade de gênero? Não é performance? 

Não, não é. Travestis devem sempre ser tradadas com pronomes femininos, pois é uma identidade de gênero que se alinha com a feminilidade, embora não possamos dizer que é uma mulher, ainda assim é uma identidade feminina. 

Pri, por que não podemos dizer que é uma mulher, mas se trata no feminino?

Porque travesti é uma identidade Não-Binária (Sim, a nãobinariedade é enorme, abriga inúmeras identidades dentro desse termo), então está além dos espectros binários de gênero homem e mulher, é paralela a elas, sendo assim, não-binária. Mas toda travesti é alinhada com a feminilidade, então todas as formas de tratamento para com elas, devem ser sempre e obrigatoriamente no feminino. Dizer que uma travesti é um homem vestido de mulher, é algo absurdamente ofensivo, sem dizer que se caracteriza em transfobia, ou seja, crime.

Só um adendo aqui... Travesti também é um termo que sofreu mudanças desde os anos 80. Na época designava-se travesti apenas pessoas que ao nascer foram denominadas como pertencentes ao gênero masculino, mas que não se identificavam com ele e também não se identificavam como uma mulher pura e simplesmente, mas com uma identidade paralela à essas. Hoje, muitas mulheres trans ou cis, se denominam travestis, pois, o termo ganhou uma conotação pejorativa através do tempo e marginalizava as pessoas, colocando sobre elas uma marca indelével e as associavam sempre aos casos de HIV, então as mulheres da atualidade que se denominam travesti, o fazem por uma questão política. Os movimentos que lutam pelos direitos das pessoas trans e das mulheres se uniram para desestigmatizar o termo e hoje é muito comum vermos muitas travestis auto declaradas.   

Ser travesti não determina com quem você se envolve romântica e/ou sexualmente. A sexualidade de uma travesti geralmente é uma sexualidade não-binária, já que é uma identidade que escapa da binariedade, não faria sentido dizer que uma travesti que se interessa por homens é hétero. Sabe por quê?

Porque heterossexualidade é uma sexualidade binária, na qual a pessoa se interessa pelo gênero oposto ao seu, o mesmo ocorre com homossexualidade. Não existe um gênero oposto a travesti, portanto não podem se denominar hétero ou homo. Maaaassss... Uma travesti pode ter qualquer sexualidade, e algumas se denominam gays ou lésbicas, outras bissexuais, androsexuais, ginessexuais, pansexuais e etc.

Ué Pri, com assim se denominam gays e lésbicas, mas não homossexual?

Pois é... Homossexualidade é uma sexualidade binária e está vinculada a atração sexual e romântica da pessoa, mas gay e lésbica vai além. Além de demonstrarem as atrações sexuais e/ou românticas das pessoas, gay e lésbicas também são identidades políticas. Então, tal como travesti, pessoas Não-binárias utilizam os termos gay, lésbica e travesti para se expressarem e demonstrarem suas afeições, mas também para se imporem politicamente dentro das esferas de lutas por direitos da comunidade LGBTQIAP+.

Vale lembrar que rótulos não são permanentes. Você pode se identificar de um modo hoje e mais tarde perceber que não era exatamente aquilo, e está tudo bem, não tenha medo de mudar seus rótulos, nada nesse universo está estagnado (quer dizer...há alguns cérebros por aí que estão, mas isso é outra história), tudo está em constante mudança, transformação e reformação. Mudar não quer dizer que você não sabe quem é, muito pelo contrário, diz quem você é, que você está buscando sua identidade, que você é uma pessoa aberta e capaz de se compreender melhor a cada dia. Indecisão? Não, nada disso, vicissitude sim.

Vou deixar aqui uma indicação de filme, A garota dinamarquesa, pois nesse filme a garota que nasceu e foi designada como garoto, vive sob um papel masculino imposto a ela ate sua fase adulta, de repente, ela percebe-se gostar de vestir-se de mulher, mas não ficava assim o tempo todo, até sua parceira pensa que era uma atividade artística ou algo assim, mas aos poucos Lilly vai percebendo que ela não gostava somente de se vestir de mulher, mas sim que ela era uma mulher. Muito, mas muito bom mesmo esse filme. Claro, apontando os diversos defeitos, a começar pelo protagonismo cis, mas ainda assim é muito bom.

Recapitulando:

Drag Queen é uma identidade artística e não tem nada a ver com a sexualidade ou identidade de gênero da pessoa. Um homem (cis ou trans) que faz drag pode ser homossexual, heterossexual, bissexual, pansexual, assexual e etc, mas ainda assim se entenderá como homem, seu alinhamento está com o gênero masculino. Mulheres (trans ou cis) que fazem drag são mulheres independente de sua sexualidade. NBs que fazem drag não são mulheres, são NBs, claro que pode ser que uma NB que faça drag tenha o alinhamento com o gênero feminino, e nesse caso, dentro e fora do papel deve ser tratada no feminino, independente também de sua sexualidade.

Crossdresser/transformista, bem, é igual a drag. Releia o parágrafo anterior e substitua Drag Queen por Transformista/Crossdresser, e retire o exagero das vestes e performances.

Travesti é uma identidade feminina que está amparada pelo guarda-chuvinha da nãobinariedade. Mulheres trans e cis estão assumindo a identidade travesti por questões politicas, e travestis podem ter qualquer sexualidade.

É isso, espero que esse texto tenha sido útil. Faz parte de uma série onde tentarei explicar de forma clara algumas sexualidades e identidades de gênero, assim como desmistificar alguns termos e sombras negativas que os rondam.

Beijos da Pri!!! ^^

4 comentários:

  1. Muito esclarecedor minha flor.
    Aqui o povo não define muito bem não, é tudo muito sombrio, tudo mesmo. Então quando se fala de um se fala de todos, como se tudo fosse uma massa uniforme.

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  2. Olha tive de ler várias vezes pra entender, mas tipo se alguém me perguntar vou saber explicar a diferença, valeuzão Pri, você é nota mil, sou seu fã de carteirinha.

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