quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Solidariedade seletiva?

 O que é a solidariedade?

Bem, solidariedade é uma qualidade relacionada à bondade, empatia e ao amor. Ser solidárie é se sensibilizar com a dor, sofrimento de outrem e estender-lhe a mão para ajuda-le de alguma maneira.

Você é solidárie quando se sensibiliza por uma causa social e se torna parte dela, quando dedica parte de seu tempo a ouvir uma pessoa que está atravessando um momento difícil, quando deixa-se em segundo plano por alguns instantes para priorizar uma pessoa que necessita de ajuda, quando reconhece que o que possui lhe é suficiente e que pode doar algo a alguém, quando interrompe momentaneamente seus objetivos para auxiliar uma pessoa, quando vê alguém passando por uma situação constrangedora, humilhante ou perigosa e age em favor dela etc.

Ao contrário do que ouvimos muito por aí, a solidariedade, essa colaboração mútua sempre foi e sempre será fundamental para a sobrevivência humana, não conseguimos prosperar sozinhes. O apoio, seja funcional ou emocional, é indispensável para vencermos obstáculos.

Mas todes somos solidáries?

Infelizmente não. Quando o assunto é solidariedade, a população mundial se divide em três grupos: a parcela individualista, que não ajuda ninguém, que explora as pessoas ao seu redor, que faz amizades ou se relaciona unicamente com quem pode lhe prover algo que lhe interesse e que lhe conceda status quo. A parcela caridosa, solidaria, que contabiliza em raros indivíduos espalhados ao redor do globo. Essas pessoas ajudam outras pessoas, e mesmo tendo seus interesses e objetivos, por algum tempo se desligam deles para ajudar outrem. Doam o que não lhe faz falta e se sensibilizam com o sofrimento de pessoas ao redor do mundo, e acredite, se pudessem, resolveriam a situação. E tem a outra parcela, um das maiores, a solidária seletiva. Essas pessoas pregam a boa convivência, a solidariedade, o respeito e o amor, mas suas práticas são mesquinhas, egoístas e hipócritas, é sobre essa parcela que vamos falar hoje.

É muito comum em nossa sociedade digital encontrarmos postagens carinhosas, solidárias e motivadoras, e elas vêm de qualquer pessoa e de qualquer lugar, mas a maioria dessas pessoas só postam mensagens solidárias para fazer tipo, para se encaixarem num estereótipo e fingirem ser o que não são.

Esse tipo de pessoa é comumente encontrada em grupos religiosos fanáticos. Falam sobre amor e caridade o tempo todo, mas só agem de acordo com o que falam, quando é favorável e rentável para elas.

Eu vejo matérias jornalísticas com grande apelo de sensibilidade, grupos se organizando na internet para ajudarem pessoas necessitadas, postagens de apoio para pessoas famosas que passam por alguns problemas, por determinados episódios que são reportados na mídia global e por pessoas que perderam entes queridos, no entanto, as pessoas que fazem isso, não o fazem para todas as pessoas, existe uma seletividade forte e bastante definida, um padrão, se preferirem.

Isso quer dizer que essas pessoas são ruins? Ou hipócritas?

Bem, é mais complexo que isso. O próprio conceito de solidariedade foi pervertido através do tempo quando entrou em choque com infinitas culturas e religiões, sem falar que depois da criação dos direitos humanos, justiça e sistemas prisionais, as pessoas modificaram ainda mais a noção de solidariedade.

Vamos começar pelos fanáticos. Os religiosos fanáticos, principalmente do cristianismo pregam solidariedade aos quatro ventos, e até ajudam uma pessoa necessitada esporadicamente. Mas a maioria não auxilia pessoas que não fazem parte de seu congresso religioso, de sua comunidade ou ministério. Esses fanáticos não costumam ajudar pessoas que não compartilhem de sua fé, também não é costume dessas pessoas ajudarem pessoas que possuem um posicionamento político-ideológico acentuado, como: anarquistas, ateus, feministas, ativistas sociais, etc, nem pessoas com identidades de gênero que fogem do padrão cis e ainda pessoas com sexualidades não hétero. E sinceramente, nunca vi um único grupo religioso levantar bandeiras de movimentos sociais, mas é muito comum ver essas pessoas se opondo a movimentos sócias que lutam por igualdade e liberdade. Faz sentido para você? Para mim, a pessoa que vive pelo amor, caridade, respeito ao próximo, deveria ser solidária, deveria se sensibilizar pelo sofrimento das pessoas e estender suas mãos para ajudarem o quanto puderem. Mas não é isso o que ocorre nas comunidades religiosas (principalmente  monoteístas).

Ah, mas temos es ativistas, elus com certeza são solidáries. Ãh, bem... Não é bem assim não.

A maioria dos protestos de ativistas são relacionados à destruição do meio ambiente, retirada de direitos das pessoas, situações deploráveis de sobrevivência das pessoas, sofrimento gerado pelos dedos do capitalismo e ações políticas que degradam a dignidade humana e animal. Ótimo! Mas quando partimos para a individualidade, muites ativistas são tão individualistas quanto bilionários ou fanáticos religiosos e só atuam unicamente em grupo e pela sua causa exclusiva. É, eu sei, não faz sentido mesmo. Por quê? Ume ativista, teoricamente é uma pessoa que se importa com uma causa, e toda causa traz inúmeras questões ao seu redor.

Vamos pegar um exemplo básico, ativismo pelos direitos dos animais. Uma pessoa que luta por esses sereszinhos é simplesmente admirável, mas há algumes ativistas das causas animais que realmente só se importam com animais, e não dão atenção às crianças abandonadas, aes idoses negligenciades e nem aos direitos das pessoas pretas ou lgbtqipa+ e ao meio ambiente, que é onde os animais vivem... Bem, defender os animais mostra que você é em algum nível sensível ao sofrimento daqueles seres que não podem se defender sozinhos ou que necessitam de alguma ajuda, então por que não estender sua solidariedade aos humanos e se fazer exemplo, mostrar que as causas não são individualistas, que podem agir interseccionadas? 

Agora a comunidade LGBT, essa sim, essa funciona. Criaram até uma sigla para incluir a maioria das expressões humanas. Também não é bem assim. Existe um sectarismo enorme na comunidade. Lésbicas não ajudam Gays e vice-versa, Bissexuais são excluídos de diversos grupos, transgêneros e não-bináries, muitas vezes nem são considerades parte da comunidade e suas sexualidades são constantemente questionadas e criticadas. Ué... Mas que solidariedade é essa?

A coisa piora quando voltamos nossos olhos para a parcela branca, hétero e cisgênera da sociedade. Essas pessoas se sentem e se fazem alheias à situação dos demais grupos sociais. Branques que defendem os direitos des pretes é raro, mais raro ainda é aquelus que se posicionam na sociedade como antirracistas. Héteros que defendem causas lgbt não são comuns, são mais incomuns ainda héteros que se fazem militantes/ativistas das causas lgbt. E bem, a parcela cis é a mais insensível (proporcionalmente falando). Quantas pessoas Cis você vê por aí defendendo os direitos transgêneros, querendo ajudar de fato essas pessoas ou apoiando instituições ou pessoas trans? Então... É por aí.

Então como funciona isso? Quem não é solidárie com todes é hipócrita? Bem, se pegarmos a raiz do significado, sim. Mas entendemos que somos seres humanos imperfeitos e no atual momento com as culturas que circulam o globo, é impossível para qualquer ser humano amar igualmente oito bilhões de semelhantes. No entanto, a solidariedade é um conceito bastante amplo e foi modificado com o passar do tempo inúmeras vezes até caber em nossa compreensão. Porém, não importa o quanto o modifique, o conceito ainda apontará para o amor e a empatia, e bem, não escolhermos por quem nos simpatizamos nem quem amamos, certo? Ah, mas Pricila, como é que poderei ser solidárie a uma pessoa que causa mal a outra, se não for, isso me torna hipócrita? Como eu disse, a solidariedade se moldou aos padrões sociais, e ao invés de queimar um criminoso, somos solidáries o suficiente para pensarmos num sistema prisional, no qual ele seja desestimulado a repetir o delito e seja reeducado para conviver em sociedade, e com isso prevenir delitos na própria sociedade (embora isso ainda não funcione muito bem na prática, mas essa é uma outra luta).

Acontece, que no mundo atual, ser solidárie é sinônimo de ser trouxa, ser fraco, ser marcado como uma pessoa sem apego ao que é seu, como se alguma coisa fosse verdadeiramente nossa, mas enfim. Então, é comum as pessoas se sentirem ligadas empaticamente a outras, mas não ajudarem, para não pegar mal, para não ficarem marcadas como idiotas, ou porque desconfiam da necessidade das pessoas, ou ainda porque a mídia corrompe a necessidade de algumas pessoas, isso tudo é fruto dos tentáculos do capitalismo que se expandem em nossas entranhas.

A solidariedade não é seletiva, mas a pessoa solidária é. Consegue entender isso? As pessoas sobrepujam seus sentimentos mais sinceros para caberem num padrão social, inibem suas qualidades para expressar um status quo meramente ilustrativo, suprimem sua bondade para obedecer regras sociais de grupos específicos.

O que nenhuma dessas pessoas percebe, é que, ser solidário é sinal de ser evoluído, e como ser uma lótus, que vive na podridão mas não se suja, não sufoca, não se mistura à ela, ao contrário, a converte em nutrientes para espalhar sua beleza e dar origem e espaço à vida num ambiente inóspito.  

Todas as pessoas fazem parte de um organismo social biológico. E cada ume é tão importante quanto e outre. Nenhum humano é dispensável, todes possuímos importância para o mundo e para nossas essências. Muitos grupos ativistas não compreendem que lutar por uma causa é lutar por todas. Obviamente, ninguém dá conta de lutar por todas as causas, mas consegue apoiá-las, isso sim. Em um ano, uma pessoa que luta pelo meio ambiente, consegue fazer vídeos falando de quantas causas diferentes das dela, dando um apoio, explicando a importância de defendê-la? Então o que é que está faltando? Sim, união e a consciência de que se um grupo perde, todos os outros enfraquecem, e a luta é como um dominó, se um cai, ou outros caem na sequência.

Então fica aquele raciocínio clichê, mas bastante importante e contundente.

Você não precisa ser prete para lutar contra o racismo. Você não precisa ser trans para lutar pelos direitos trans. Você não precisa ter animais para lutar por eles. Você não precisa ser mulher para lutar contra o machismo. Não precisa ser criança ou ter uma para lutar pelos direitos infantis. Você só precisa ser humano.


Beijos da Pri!!! ^^


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