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quinta-feira, 25 de março de 2021

Bolsa estupro

 



É impressionante o modo como o Brasil tem a tendência de ir na contramão do que está sendo discutido mundialmente, sobretudo nesse governo.

A legalização do aborto não é uma pauta nova, e também não é setorial, ela se faz presente no mundo todo e es ativistas/militantes que levantam essa bandeira, clamam por urgência.

Mas ainda existem muitas nuvens sobre o assunto, não por parte des defensores dessa pauta, mas sim por parte da mídia e de como o assunto é levado à público. O que eu digo sem medo de errar, que é proposital.

A legalização do aborto não obriga uma pessoa gestante abortar, isso é mentira. Mas para as pessoas que decidirem abortar, o Estado cuidará dessa pessoa, oferecerá todos os meios para garantir sua segurança física e psicológica. Legalizar não é liberar, entendam. E devemos ter em mente que a proibição/ilegalidade do aborto não elimina sua prática, existem várias clínicas clandestinas atuando nesse ramo há décadas justamente porque o Estado permite que elas existam. Pessoas que optam por abortar numa clínica clandestina enfrentam diversos problemas, tais como: crime, risco de vida e instabilidade psicológica.

As clínicas clandestinas recebem dinheiro para tirar o feto, e só. Ela não vai te auxiliar com nada, já no caso da legalização, o Estado irá te auxiliar no processo, antes e após ele também.

Tenho escutado muitas conversas sobre esterilidade compulsória. Bem, outra mentira. A legalização do aborto tem regras, e são rígidas, mas nenhum país onde o aborto é legalizado esteriliza a pessoa compulsoriamente. Claro que depois de alguns abortos feitos pelo Estado, é oferecido à pessoa um modo contraceptivo permanente, a pessoa pode aceitar ou não. Falando de Portugal, caso a pessoa não aceite, as regras para um próximo aborto (após o segundo) ficam muito mais rígidas, afinal não é a festa do caqui, né? E eu digo isso não por uma questão tradicionalista ou conservadora, mas porque vivemos num mundo evoluído com diversas formas de se evitar uma gestação, e a liberação do aborto é para pessoas que desejam interromper uma gestação mal planejada, a qual ela não possui condições financeiras e/ou psicológicas para levá-la adiante ou no caso de uma gestação forçada. A legalização existe para salvar vidas, para evitar problemas maiores no futuro, por uma questão de saúde pública e o mais importante, pela liberdade de escolha (algo não muito bem visto por aqui). 

Essa semana tem sido agitada por conta da anunciação de um PL que circulava o congresso, cujo o qual, o texto impede a pessoa de procurar qualquer tipo de método abortivo, obrigando-a a prosseguir com a gestação. O PL ainda declara que o Estado iria remunerar a pessoa com um auxílio de um salário mínimo caso ela mantenha a gravidez forçada. Vocês têm noção do que esse PL defende?

Primeiro, o silenciamento de pessoas violentadas, segundo, o controle total e absoluto sobre os úteros brasileiros. Isso é impensável, abjeto e repulsivo. Obviamente a bancada tradicional, pentecostal e patriarcal defende essas ideias com unhas e dentes. 

A mulher em nossa sociedade é cotidianamente oprimida, já disse isso em outros textos, mas nesse caso, nem se trata só das mulheres, mas homens trans e pessoas não-binárias capazes de gestar. Esse PL é um atentado contra a liberdade, uma imposição do discurso moral que domina as cadeiras do Estado e isso não pode ser aceito, jamais.

O PL em questão fala diretamente sobre estupros. Diz que a "mulher" estuprada não poderá fazer mais o aborto acusando o agressor. Ou seja, depois do estupro culposo, agora criaram o bolsa estupro. Esse PL anula a autonomia de pessoas que gestam, retiram delas um aspecto de humanidade e as coloca sob uma condição degradante. Vale lembrar aqui que a sociedade brasileira está sofrendo muito com a perda de direitos, e esse PL impede mais um direito, o do aborto legal no caso de estupro (uma das raras condições em que o aborto é legal no Brasil).

Eu destaquei a palavra mulher no parágrafo anterior justamente para chamar atenção sobre esse fato. Os tradicionalistas esquecem ou ignoram simplesmente que homens trans e NBs podem gestar, e fazendo um exercício de imaginação aqui me deparei com uma situação sinistra, imagine um homem cis hétero dando queixa de estupro... Imaginou? Pois é. É raro, por quê? Porque o sistema ignora o fato de homens serem estuprados, e os homens não denunciam por conta do medo de manchar sua "honra" e sofrer represálias sociais. Além de outros níveis de hipocrisia, o próprio sistema impõe a visão de que homem estupra não é estuprado. Certo. Agora imagine um homem trans dando queixa de estupro e pedindo a interrupção da gestação, sob a gestão desse governo. Primeiro a identidade dele será negada, independente de documentos, nos bastidores certamente ele sofrerá inúmeras pressões psicológicas e/ou físicas por conta disso, e no fim, a interrupção da gestação será negada, porque a lei não os abrange, ainda mais se esse PL passar. O mesmo para uma pessoa não-binária. Afinal, a visão desse povo seguidor de um boçal, é de que quem engravida é mulher. Mas enfim, vamos voltar ao tema principal.

Esse tipo de imposição não é nova. Lembrem-se do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf dizendo "Estuprem, mas não matem!" ... Bem, se você parou de ler e pensou: "Mas que P#*&# é essa?" saiba que é a mesma reação minha. Com isso ele já dava um aval para o estuprador, mesmo sofrendo o peso da lei quando preso, julgado e condenado, o imaginário popular ainda se fixava no mote sombrio e macabro dele. Há poucos meses Sara Winter e a então Ministra Damaris, se envolveram num caso polêmico. Uma menina de dez anos foi estuprada e engravidou. A família decidiu pelo aborto, o Estado liberou o processo por se tratar de uma criança, óbvio. Mas a Damaris tentou a todo custo convencer a família a recuar e deixar a menina ter o filho "em nome de Deus e em nome da vida" ... Oi? E condenar uma criança de dez anos a passar pela gestação toda, dar a luz a outra criança, filhe de um estuprador e carregar essa mácula em si pelo resto da vida? Pois é, é isso mesmo. A Damaris chegou a oferecer ajuda financeira para a família, pedindo que reconsiderassem o aborto. E a ilustríssima (SARCASMO) Sara Winter além de falar um monte de besteiras em seus canais, ainda revelou o endereço do hospital no qual a criança estava internada e da residência da família, isso causou um grande furdunço, pois os seguidores dessa pessoa foram para a frente do hospital e da casa dos pais pressionar a família. Pense nisso.

É esse tipo de pressão que esse PL está jogando sobre a sociedade. Além de invalidar anos de luta, sobretudo do movimento feminista, ainda impõem um modo de vida subserviente, no qual a pessoa violentada não denuncia mais o estuprador e ainda carrega e filhe recebendo uma ajuda de custo. Detalhe, somente para quem provar que não tem condições de criar a criança. E como fica aquela pessoa que tem poder aquisitivo para manter uma criança, mas não desejava uma e por conta de um estupro, agora será forçada a mantê-la? Dane-se! É isso o que o Estado está dizendo. O Estado atual não quer ter controle total só sobre nossos corpos e nossas opiniões, mas também à nossa possibilidade de escolha, à nossa essência, nossa dignidade, nossa humanidade... Qualquer relação com os escritos de Orwell não é mera coincidência.

Nesse quesito, o Estado é o grande violador e o grande torturador. Gravidez forçada é tortura, lembre-se! O que mais esperar de um governo que apoia a tortura?

Como pode um país ser tão contrário à ordem global? Nosses vizinhes, es argentines, venceram essa disputa. Agora na Argentina é lei, a legalização do aborto foi aprovada. Isso se deve à uma união nacional, uma discussão profunda da sociedade que alinhou seus anseios, suas necessidades às propostas do candidato, o aliado venceu e apoiou o povo. Bem diferente do que acontece por aqui.

Só para se ter ideia, vou deixar um mapa aqui identificando os países onde o aborto é legal e onde é proibido. 


Algumas pessoas questionaram o fato de a maioria dos países que legalizaram o aborto estarem localizados no hemisfério norte. De fato é isso mesmo. Isso reflete o ideal libertário que circula por países onde a democracia tem maior espaço (com muitas ressalvas aqui), note que os países onde a democracia tem pouco espaço (ou nenhum) e países que são dependentes de seus adjacentes, optaram por manter a ilegalidade do aborto. O que na real, não o impede de ocorrer, mas só aumenta o número de mortes e de clínicas clandestinas.

Pagar para silenciar uma vítima de estupro é violentar essa pessoa duas vezes e mais uma vez inocentar o estuprador. Mais uma vez esse governo tentando silenciar os oprimidos. Bando de asquerosos! 

Nós precisamos lutar contra esse governo impositor, autoritário, genocida e mentiroso. E precisamos fazer isso agora. A liberdade de escolha tem que ser do indivíduo e não do Estado, no máximo o Estado pode avaliar legal e imparcialmente e apoiar ou não essa escolha. Precisamos urgentemente derrubar esses ideais patriarcais, misóginos, machistas, pentecostais e tradicionais, porque esses ideias são antievolucionários, são reacionários, são contra a individualidade e sobretudo contra as condições de vida igualitárias para todes.

Ninguém, em hipótese alguma pode ser forçado a suportar crimes cometidos contra si, porque o Estado (ou alguém) impôs isso.


Beijos da Pri!!! ^^


2 comentários:

  1. Texto muito importante Pri.
    Muito mesmo. Estou acompanhando as notícias, parece que deu uma guinada para a rejeição, o que mostra que pressões sociais funcionam, entretanto, como já vimos acontecer, podem convocar uma votação emergencial no meio da madrugada.

    Mas quanto ao texto, reflexão impecável. E essa senhorita da Winter é uma reaça idiota.

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    1. Sim amiga, sim. A situação está muito complexa mesmo. Mas é bom ver que mesmo pressões sociais feitas nas redes têm dado resultados. é um alívio.

      Obrigada pelo elogio e pelo apoio.

      Ah, essa Winter é tenso, tipos uns outros reaças por aí, o esquema é haiben kkkkkkk

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