Afinal, sobre o que fala a ficção científica?

 

"Aquilo é um POP; problema de outra pessoa." - Douglas Adams em O guia do mochileiro das galáxias.

 

Afinal, sobre o que fala a ficção científica?

A ficção científica como a conhecemos hoje teve seus primórdios nas literaturas baratas, distribuídas em metrôs, revistas e jornais em forma de contos e coletâneas. Claro que através da história podemos perceber alguns textos que se enquadrariam no gênero, mas vamos deixar isso para outra discussão.

Durante muito tempo a ficção científica (FC) foi menosprezada, tida como literatura vulgar, daquelas que se consumia para passar o tempo, mesmo alguns textos da época trazendo pontos de vistas interessantes sobre realidades utópicas, distopias e desigualdades sociais, a obra em si não era levada a séria por se tratar de ficção.

Grandes nomes da FC ajudaram a popularizar o gênero e aumentar sua relevância, tais como: H.G Wells, Arthur C. Clarke, Ursula Le Guin, Willian Harrison, Harlan Ellison e Isaac Asimov. Essas pessoas foram fundamentais para a transformação mundial que a FC faria na literatura, cinema e até na música.

Devemos recordar, antes de tudo, que cada autore é um produto de sua época, ninguém nasce póstume (É, desculpa Nietzsche, mas não). Digo isso porque quando lemos uma obra de FC devemos entender que por mais que ume autore se esforce, elu está limitade aos conhecimentos do seu tempo; à realidade é subjetiva, mas ela precisa de parâmetros reais e esses só conseguimos durante nossas vivências, pesquisas e estudos, não tem como se escrever sobre o que não se conhece.

Bem, se você leu atentamente ao parágrafo anterior já percebeu que a pergunta do título acabou de ser respondida. Sim, a ficção científica fala sobre o presente e não sobre o futuro, ninguém conhece o futuro, mas podemos sonhar com ele e sempre que extrapolamos nossa realidade o fazemos partindo de onde estamos, ou seja, do momento presente.

Claro que é comum da FC imaginar mundos, tecnologias, sociedade e até religiões que nunca vimos, mas no fundo a essência dessas invenções está enraizada nos avanços ou necessidades de progresso da época de cada autore. Na época em que Star Trek foi lançado não existiam telefones celulares e foi baseando-se naquela tecnologia fictícia de comunicadores sem fio que eles foram criados. Então quer dizer que Roddenberry previu o futuro? Não. Ele gritou aos quatro ventos o seu inconformismo relacionado à limitação da comunicação de longas distâncias. A comunicação sempre foi uma necessidade humana, então é óbvio que imaginemos maneiras de melhora-la, seja com a criação de alfabetos, livros, e-books, e-mails, telégrafos, telefones fixos, celulares, braile, linguagem de sinais, linguagem neutra e até telepatia. Brincadeiras à parte, nós imaginamos diálogos, imaginamos meios de falar e sermos ouvidos, compreendidos e aceitos através da nossa linguagem, então cedo ou tarde alguém criaria uma tecnologia sem fio, mesmo que Star Trek não tivesse clamado por isso.

As obras de FC tem como plano de fundo sempre algum tipo de mensagem social, seja ela uma crítica ou apologia, é muito incomum ver uma obra de FC que seja vazia nesse quesito. É próprio do estilo imaginar problemas e soluções para os mesmos, imaginar sistemas diferentes do que vivemos, imaginar situações conflituosas as quais ainda não vivemos, mas que devemos estarmos sempre preparades caso elas surjam, e isso diz muito sobre quem e quando escreve.

Wells por exemplo, escrevia numa época em que a tecnologia não era tão avançada como hoje, a física ainda não havia respondido inúmeras questões propostas por ele e mesmo assim isso não o impediu de imaginar o funcionamento de uma máquina do tempo. Quer dizer então que ele clamava por uma máquina dessas? Não. Nessa obra utópica Wells retrata diversos momentos da história humana e do planeta Terra, mas o ponto central da trama é a estadia do protagonista numa sociedade dividida e hierarquizada, vale ressaltar aqui que há inúmeros fatores analisáveis na obra, mas não vou me ater a todos agora. A sociedade futurista e utópica de Wells era, digamos, “eugenista”. Não vou explicar como isso aconteceu para não cortar o seu barato de ler a obra, mas o mundo possui duas raças inteligentes, uma é bonita, ingênua e vive na superfície e a outra é feia, matreira e vive no subsolo... Ora, será que isso é alguma alusão às desigualdades sociais e padrões estabelecidos em sua época? Sim, com certeza.

Em A Guerra dos mundos, Wells nos mostrou algo que sempre esteve diante de nós. Tudo tem seu fim, tudo o que é vivo precisa de condições ideias para permanecer vivo, mas ninguém nunca tinha colocado isso da forma como ele fez. Claro que a obra também traz uma alusão à guerra e à supremacia militarista do Império Britânico no Século 16.

Asimov escreveu sobre planetas do nosso sistema solar e errou ao descrever oceanos em planetas desérticos (áridos ou gélidos), tanto que depois até pediu desculpa por essas previsões infundadas. Hoje é mais fácil escrever sobre qualquer planeta ou corpo celeste do nosso sistema estelar, mas na época dele era tudo na base da imaginação e está tudo bem, eu não vejo necessidade em ele ter se desculpado, maaasss...

Por mais que se queira não podemos imaginar algo que nunca tivemos contato. Ah, Pricila, mas e os antigos quando criavam deuses e falavam de espíritos? Deuses e espíritos são basicamente humanos incorpóreos (em alguns casos corpóreos) ou entidades que possuem características e emoções humanas, ou seja, um humano um pouco modificado. Ah, mas e magia, hein? Tenta explicar para uma sociedade as reações químicas quando nem a ciência existe de fato. As pessoas imaginam soluções. Reações químicas eram magia até que a ciência conseguiu explicar seus processos. Quer ver um exemplo? Imagine três maneiras diferentes de acabar com o planeta Terra e outras três de acabar com o capitalismo. Vou fazer uma previsão, você vai imaginar muito mais que três maneiras de acabar com o mundo e muitas delas serão inspiradas pelas obras cinematográficas que você já viu.

É difícil, não é? Pode ser fácil imaginar um mundo sem o capitalismo, porque já vivemos isso. Podemos imaginar sistemas monetários que o substituam porque já tivemos exemplos teóricos disso, mas meios eficientes de acabar com o capitalismo exige um exercício mental absolutamente desgastante e muitas vezes infrutífero.

Ser produto da sua época não quer dizer que você como escritor precisa replicar as ideologias dominantes, até porque, seja em qual for a época em que você viver, o mundo é repleto de ideologias, costumes e sistemas, até hoje o mundo nunca foi socialmente uniforme. Então é fácil buscar referências, cruzar informações e escrever uma crítica a algo que está errado ou uma ode ao que está dando certo. Claro que quando escrevemos FC temos mais liberdade para brincar com a realidade que com alguns outros gêneros, podemos imaginar uma sociedade sem machismo, sem a imposição de gêneros, sem dinheiro e até sem doenças, mas veja, tudo isso são discussões, buscas, pesquisas e problemas da época atual.

Por isso a maioria des autories de FC usam essas ‘viagens’ para criar mundos nos quais gostariam de viver, ou mostrar aes leitories o quão ruim seria viver num mundo como aquele que elu criou; e tudo isso parte de sua bagagem pessoal.

Eu sempre digo que autories de FC que escrevem sobre mundos opressores, tiranias e distopias eternas sem apontar um novo ponto de vista, são um pouco preguiçoses. Isso é fácil, já está no imaginário popular. Mas veja os exemplos de Ursula Le Guin e Harlan Ellison, escreveram críticas poderosas ao sistema binário de gêneros, sobre o capitalismo, machismo e sobre o monopólio que as corporações têm sobre a humanidade. Não à toa, suas obras são imensamente conhecidas e servem de base para vários subgêneros da ficção científica.

Ser produto do seu tempo não quer dizer ser alienado, mas sim limitado, de uma forma temporal mesmo; e isso pode ser extremamente benéfico, você pode ser a síntese de tudo o que sua sociedade produziu em seu tempo de vida. Isso não lhe impede de fazer um exercício mental e perceber quais são as necessidades e os avanços de sua época; e com isso em mãos a criação de infinitos mundos e histórias torna-se uma conclusão lógica.

Quem lê meus textos perceberá os reflexos das discussões atuais com roupagens futuristas nas minhas histórias, por que é isso, eu quero usar minha escrita para transformar a sociedade, torna-la um lugar mais justo, igualitário, saudável e próspero e o modo que encontrei de fazer isso foi com a escrita. Através da FC eu levanto debates sociais, econômicos e tecnológicos que perpassam entraves e progressos sócias do nosso cotidiano e imagino como essas ações irão repercutir no futuro, mas é especulação, não tenho como saber do futuro...ainda.

Até a próxima pessoal, grande beijo!