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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Imagem e linguagem como forma de apagamento das identidades

 Antes de começar quero dizer que esse texto não tem a pretensão de seguir uma estrutura, e no decorrer do mesmo vocês entenderão o porquê disso.


Estive conversando esses dias com um amigo que estuda línguas indígenas, inclusive Tupi antigo (a qual ele está ajudando fazer um resgate) e também com uma amiga que estuda muito a questão das identidades e nesse papo surgiram muitas indagações e reflexões potentes e importantes, as quais gostaria de trazer para vocês aqui.

Primeiro, que não é segredo para ninguém que os portugueses, holandeses e espanhóis chegaram aqui em Pindorama (vulgo Brasil) atropelando os povos nativos. Impuseram o modelo de aldeamento que hoje é mais difundido e ridiculamente tido como aldeia indígena padrão, e como sabem (ou deveriam) muitos territórios indígenas foram tomados na base da bala, tiveram seus adultos mortos e as crianças preservadas para que fossem catequisadas, aprendendo religião, lei e idioma dos colonizadores e a eles servirem obedientes (ou quase).

Isso aconteceu inúmeras vezes. Vemos o início da imposição cultural, a morte de infinitas culturas que existiam naquela época, e um projeto de destruição da identidade dos povos originários.

Sim, pense bem... Quando alguém diz indígena (ou erroneamente índio) geralmente se forma na cabeça de quem ouve uma imagem estereotipada de indígena, não muito incomum os linkando ao território amazônico e às etnias Tupis e Guarani. Mas hoje, veja bem, hoje depois de todo o genocídio que foi feito, existem mais de 300 etnias no país e ocupam TODOS os estados brasileiros, imagine na época. 

Essa visão estereotipada é proposital. E não para só nos povos originários. Quando você ouve o termo nordestino, geralmente não pensa em cada um dos Estados do nordeste, né? O que ocorre na maioria esmagadora das vezes é que todas as peculiaridades, todas as diferenças, as identidades sejam apagadas e atreladas a um bloco uniforme que mal representa um território.

Bem, percebe que a imagem que temos de povos e culturas é uma criação externa? Percebe que nossos povos originários são mais diversos do que se é divulgado? Mas certamente você não pensa que o Francês é igual ao Escocês, mesmo ambos estando na Europa, né? Não pensa que o Russo é igual ao Turco, ou Grego, né? Então...

Se você parar para escutar filmes dublados perceberá que existe um sotaque nacional. Os filmes são dublados por quem tem sotaque carioca e paulista, muito raramente o sotaque nordestino aparece no cinema, mas isso só ocorre quando querem representar uma figura estereotipada e irreal de algum dos povos que reside no nordeste.

E quando falamos no visual a fica fica pior ainda. Nordestino é visto como o maltrapilho, chapéu de couro, correndo na caatinga e terra seca, tocando gado, isso quando há gado, ou trabalhando de forma braçal. Mas sabiam que o Piauí é um dos Estados brasileiros que mais produz tecnologia de renovação de energia? Provavelmente não. E também é um dos estados do nordeste que mais tem leis que beneficia pessoas LGBTQIAP+, sabia disso? Provavelmente não também. O pessoal no Rio Grande do Norte possui muitas gírias em inglês e consomem muito camarão, é pois é, não comem cactos não. Ah, as gírias em inglês é herança do assentamento militar que os EUA instalou lá durante a Segunda Guerra Mundial.

O próprio brasileiro é visto como limitado, preguiçoso, incapaz e bobalhão. Essa massa "brasileiro" é incômoda também, ao menos para mim, pois, brasileiro não é tudo igual, cada região tem suas particularidades, seus anseios e seu próprio tempo de desenvolvimento. Mas quando falamos brasileiro, não pensamos nos cientistas que mudaram o mundo, não pensamos em Santos Dumont, não pensamos em Machado de Assis, não pensamos nas pessoas LGBTQIAP+, nos umbandistas e adeptos de outas religiões não cristãs, certo? Pois é, esse é o grande perigo de padronizar tudo, colocar tudo numa norma, num projeto fechado e "formal". 

 Percebe que só nessas poucas linhas foram revelados fatos sobre o nordeste que talvez você jamais saberia? Isso é proposital. Existe uma cultura de massificação das identidades, de apagamento da história e de anticognição das pessoas. Um povo sem identidade não luta, não busca memórias, não age por conta própria, não reivindica, não olha para o futuro, apenas obedece.

Voltando aos indígenas. Um paraguaio que mantém contato com esse amigo jurou que somos falantes de tupi-guarani. Mas aí você deve estar pensando... Ué, mas como? 

Então, nós falamos muitas coisas em tupi sem saber, é o idioma indígena mais popular no país, embora não seja o mais falado, este posto fica com o idioma Tikuna. Bom, bagre, abacaxi, açaí, tucano, tapioca, mandioca, preá, pipoca, garoa, quarar e outras infinitas palavras que usamos são de origem tupi. Os portugueses proibiam o uso de línguas nativas, no entanto, como forma de resistência nossos povos continuavam falando escondidos, ensinando forasteiros, e incluindo pedaços de palavras tupi em palavras estrangeiras. Outro fator muito importante da resistência é a insistência. A maioria dos idiomas originários não possuem muitos encontros consonantais, então era muito difícil para essas pessoas falarem palavras como: andando, correndo, falando, caçando, levando, trazendo, e etc... Esses termos eram substituídos por andano, correno, falano, caçano, levano, trazeno e etc, e venciam os impostores pelo cansaço, claro, eles achavam que não aprenderíamos mesmo por conta de intelecto negativo, quando na verdade era o inverso. rsrsrsrs Legal né?

Uma pessoa de fora do país percebe nossas raízes, percebe um movimento de resistência linguística e nós não. Estamos tão preocupados em defender as normas do português, e nem temos tempo de usa-lo corretamente. Ninguém em Pindorama fala português, esse é um fato indiscutível. O que existe aqui é um dialeto misto de diversas línguas indígenas+baixo português+espanhol informal e outras adições que foram acontecendo no decorrer da história.

Sabe por que esse fenômeno acontece aqui em Pindorama e em outros países colonizados também? Porque inconscientemente todas as pessoas lutam para manterem suas identidades (aliás, essa é a base da constituição estadunidense; a liberdade e a identidade, pois reconheceram cedo que o país só seria forte se tivesse uma identidade, e eles construíram isso), e se nós temos mais em comum com indígenas que com europeus, fica claro a não aceitação passiva do apagamento de nossas identidades, mesmo que essas lutas sejam inconscientes. Esse país jamais falará português, somos plurais, somos povos unidos e misturas, criamos e transformamos nossas identidades periodicamente, ou diariamente se preferir, e isso não mudará, por mais imposição que haja, nosso idioma nunca será o tal português que defendem por aí e que ninguém usa, nossos nordestinos nunca serão uma massa uniforme e o país nunca terá um sotaque nacional, porque aqui vivem mil e um povos. 

Apesar de SP, MG e RJ terem suas próprias identidades quando se fala de Sudeste, ainda são englobados no termo brasileiro, como vimos lá em cima, mas a identidade desses estados é muito forte perante outros, e de certa forma (com muitas ressalvas aqui) isso é muito positivo.

Eu saí da conversa com um alívio tão grande que é impossível descrevê-lo a vocês. Saí satisfeita por saber que lutamos por identidade o tempo todo, e que pelo menos dos colonizadores estamos GANHANO. Mas claro, haverá uma ou duas pessoas que dirá que estou defendendo o erro e não a norma culta quando defendo a linguagem inclusiva (neutra/não binária).

Aí eu deixo a pergunta...

O que vale mais, uma norma culta que não representa ninguém e que ninguém usa de fato, ou uma linguagem inclusiva que abrange a maior parte da população ou assim pretende fazer?

Beijos da Pri!

7 comentários:

  1. Que texto lindo minha flor.
    Adorei, e adoro o modo simples e amável que você se comunica. É carinhoso e acolhedor, amo muito isso.
    Sinto-me feliz por estar cercada de pessoas inteligentes e que te trazem momentos de alegria como esses, porém, fico triste em saber que um psicopata idiota está te perseguindo.

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    1. Obriga pelas calorosas e aprazíveis palavras minha amiga. E sim, tem um idiota psicopata me perseguindo.

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  2. Que texto lindo minha flor.
    Adorei, e adoro o modo simples e amável que você se comunica. É carinhoso e acolhedor, amo muito isso.
    Sinto-me feliz por estar cercada de pessoas inteligentes e que te trazem momentos de alegria como esses, porém, fico triste em saber que um psicopata idiota está te perseguindo.

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    1. Mas tudo bem, ele está plantando para colher depois. Quem fala o que quer, paga o que não quer, saca?

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  3. Como sempre mandando muito bem. ou seria mandono muito bem? kkkkkk
    Pri, cê é foda mesmo viu? Parabens pelo seu trabalho de trazer cultura e informação pro povo, valeuzão mesmo.

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