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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Existem limites para a Arte?

É uma questão polêmica e que pouca gente gosta de falar, no entanto, decidi escrever meus pensamentos sobre o assunto, não porque desejo passar uma visão definitiva, mas ao contrário disso, para que algum dia possa colher um debate de qualidade a esse respeito.

Bem, quando pensamos em Arte, poucas pessoas vão além de pinturas em tela ou teatro. A Arte em si é bem mais que materialização imagética de suas intenções, mais que interpretação de papeis, a Arte é a conexão do ser humano com seu próprio ser, com uma forma transmaterial que está além dos limites corpóreos. A Arte é olhar você e mundo através de outros prismas, sendo assim, Arte é uma outra vida, outra visão de mundo, outra realidade e outro universo além de tudo o que experimentamos.

Dançar, cozinhar, esculpir, cantar, pintar, desenhar, escrever, fotografar, discursar, interpretar, criar, dirigir, jogar, e infinitos outros verbos, tudo isso é Arte. Tudo o que imaginamos, somos capazes de criar, talvez não no exato momento em que imaginamos, mas no futuro, certamente. A criação depende de ferramentas, de situações e recursos, a imaginação não, ela é livre, sempre livre.

Então, isso quer dizer que a Arte não possui limites? Não. Isso quer dizer que as possibilidades de representações artísticas são infinitas, mas a Arte possui sim limites.

Quando me aproprio de um conceito de infinidade e de criatividade, tenho de ter ciência que posso através da minha arte passar uma mensagem, criticar uma ideia, uma pessoa, uma situação, mas em momento algum a arte estará isenta de interpretação e dos valores éticos. É óbvio que a Arte é uma janela para além das normativas que regem o mundo, mas o fato de a própria Arte ser um ato de rebeldia, não a torna uma ferramenta de imposição cultural. Mas o que isso quer dizer?

Isso quer dizer que não posso escrever um livro onde vou expelir todos os meus preconceitos. Não posso escrever uma obra tratando a escravidão, a violência, a transfobia, o autoritarismo como coisas normais, como banalidades. Fazer isso é corroborar com um pensamento completamente inapto para a ciência artística. Arte é transformação, é revolução, é aproximação, exaltação... Ué, mas não posso fazer tudo isso com um herói nazista que dobra o mundo à sua vontade? Pode, claro que pode, desde que essa obra seja um alerta, uma crítica e não uma veneração doentia ao nazismo.

Existe uma linha muito tênue entre a liberdade e o bom senso. É comum pessoas dizerem que podem fazer o que bem entenderem por viverem num país livre. Bem, pode, mas se você desobedecer uma lógica global de boa convivência, certamente encontrará represálias e punições.

A Arte reque bom senso, apesar da natureza libertária que ela carrega, não podemos nos apropriar de tudo para fazer uma obra de arte. Uma pessoa branca, burguesa, cristã, por mais que estude, jamais saberá de fato, como é a vida de uma pessoa preta, umbandista e pobre. É óbvio que personagens assim, podem ser interpretados por ela, e até marcarem presença em suas obras, mas ela não pode assumir que fala sobre o assunto com propriedade e que aquele é o lugar de fala dela, é preciso bom senso.

Eu jamais escreverei uma história onde o discurso principal que sustenta a trama seja de cunho religioso doutrinador, porque não condiz com minha realidade. Não tenho religião, não me atraio por dogmas religiosos e discordo fortemente de muitos discursos, então como é que eu poderia escrever um livro onde a religião seria a base da trama, tendo por trás um discurso doutrinador? Não tem como.

Por mais que eu estude religiões, essa é uma realidade que não me pertence, e nunca saberei de fato como é ser religiosa. Posso criar uma personagem que o seja, mas não posso colocar o discurso religioso em pauta. Enfim, por que tudo isso?

Recentemente uma certa senhora, a qual não mais pronunciarei o nome para que se torne invisível mesmo, proferiu diversas injurias contra as pessoas transgêneros. E isso é muito desconfortável para nós da comunidade trans e também para as pessoas que a tinham como uma artista séria e "engajada". Depois de tais injurias, ela se recusou a se desculpar e ainda criou um loja para vender produtos com frases transfóbicas. Em uma das entrevistas ela disse que sentia muito pelas pessoas trans, mas que era assim que ela pensava. 

Bem, pensar assim não é recriminável. Sua imaginação é mesmo livre. O problema é que ela está influenciando discursos de ódio e ações violentas. E isso, é incondizente com a natureza artística. Bom, então quer dizer, que nenhum artista pode ter pensamentos antiéticos? Se você pensa na Ética, como um regulador para a boa convivência humana, então não, não pode.

Ah, Pricila, mas você fala que não gosta de religiões. Sim, digo, mas perceba a diferença. Eu não gosto, porque não acho necessário PARA MIM, PARA MINHAS EXPECTATIVAS, e a única que tenho problemas, é aquela que bate à minha porta tentando me converter, as demais, nem existem para mim. De fato, não me interessam, mas não odeio, não recrimino a prática, não sou contra religiosos, não sou contra ensinamentos religiosos... Mas se você vier com tudo isso para mim, dependendo da abordagem, eu não ouvirei uma palavra sequer. 

Ah Pri, isso não torna você intolerante à religião? Não. Me torna intolerante à gente chata que tenta justificar tudo através de um discurso ensaiado, tentando provar que todo o resto é errado e ainda tenta me convencer a aceitar suas ideias. Isso sim é algo que critico em algumas obras minhas, o mau uso da religião. Mas voltando ao tema principal...

A Arte não se trata da conservação de pensamentos, ela trata da libertação da alma, da expressão por meios inimagináveis e de incontáveis formas. No entanto, não pode ser considerado Arte, algo que por natureza venha a gerar discriminação, violência gratuita, segregação e insegurança para as pessoas. Se nós dissermos que não existe limites para a Arte e estivermos pensando em limites como formas de expressão, então realmente não existem limites. Agora, se entendermos limites, como sendo um discurso pautado pela Ética, então sim, existem limites. Toda forma de Arte possui um sentido, e quando esse sentido é munido de um discurso antiético, que extrapola os limites sociais de boa convivência, então ela está além dos limites artísticos, se tornou um discurso ideológico de conversão materializado.

A Arte é e sempre foi um campo de atuação das pessoas criativas e visionárias, para que trabalhassem seus pensamentos dando-lhes formas, compreensíveis ou não, para o mundo exterior. E a Arte como valorização da humanidade, da criatividade, da superação humana... Deve ser glorificada. Mas nunca deve ser usada como arma para expelir discursos ardilosos e mal intencionados que o artista não tem coragem de proferir abertamente.

Espero que minhas conturbadas palavras tenham sido compreendidas, no entanto, se não foram, podem me chamar que a gente conversa.

Beijos da Pri. ^^

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