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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Rosário

 A lua derrama seu brilho pálido sobre o campo deserto, e as sombras das árvores dançam na terra seca como fantasmas que não encontram repouso. Aqui estou eu, novamente acordado, buscando refúgio no silêncio da noite enquanto a casa inteira dorme. A caneta desliza sobre o papel pardo, e o som do seu arranhar ecoa como uma maré mansa num mar de calmaria; só ele quebra a quietude nostálgica e opressiva deste momento. 

Escrevo porque as palavras, por mais que pareçam feras selvagens e indomáveis ​​dentro de mim, são minhas únicas companhias agora. Escrevo para confessar à noite aquilo que não posso dizer à luz do dia, e que as estrelas podem guardar sem julgar. Há uma pesar em mim, tão profunda quanto o céu escuro que me cobre, tão imensa quanto a saudade que sinto dela. Uma dor que lateja como a brisa gélida cortando meu rosto quando me atrevo a encarar a vastidão do vazio deixado pela sua ausência. 

Devo começar por onde tudo terminou. 

 Faz meses que Rosário se foi, e eu sinto como se cada dia sem ela fosse uma folha que o vento arranca de mim. Cada dia, o outono dentro de mim se intensifica, despindo minhas emoções uma a uma; como um jogo sádico de extirpação de espinhos de um cacto. O que restou da árvore que era nosso laço? Não mais do que árvores secas, memórias espalhadas como folhas mortas ao pé de uma árvore que não resiste ao rigor de um inverno interminável. 

 Tudo aconteceu rápido demais. Uma tarde tranquila, ficamos sentados sob a copa daquela velha figueira no parque, rindo de algo que já não me lembro. O sol batia forte, mas o calor era suportável, aquecido pela companhia dela. Cada sorriso de Rosário era como uma faísca de vida, algo que me aquecia, que me trazia conforto. Eu pensei que ela também sentia o mesmo. E então, num ímpeto que eu mesma não previa, as palavras saíram de mim. Eu não consigo mais esconder. Não queria reprimir mais meus sentimentos, tal repressão me causava dor, angústia, insônia e depressão. 

“Rosário, eu te amo”, eu disse a ela, e a terra pareceu parar de girar por um momento. A natureza, tão serena à nossa volta, também silenciou, como se aguardasse a resposta dela. Mas ela... ela me olhou, os olhos castanhos que antes me deixaram tão cálidos agora eram como dois pedaços de madeira petrificados, distantes e duros, a frieza dos Andes começou a emanar deles repentinamente e então seus movimentos se tornaram esquivos. Ela não disse nada. Não foi preciso. Levante-se, ajeitou o vestido, e partiu. 

 Desde então, o som de seus passos se afastando é a única coisa que ecoa na minha mente. A cada noite, revisite esse momento. Não há nada mais triste do que a ausência de uma explicação. Ela não me deu palavras, apenas me levou a companhia que tanto queria para mim. Tentei por vezes acessar, mas o vazio e o afastamento proposital era óbvio demais. Às vezes, questionei-me se teria sido melhor manter o silêncio, deixar nosso laço onde estava, inalterado, mesmo que eu me afogasse todos os dias nesse mar profundo de sentimentos não ditos. 

 Acho que todos temos uma escolha: começar em silêncio ou gritar por ar. Eu gritei. E afundei. 

 O vento que sopra lá fora me lembra a sua partida. Forte, firme e frio. E ainda assim, há um estranho conforto nesse vento gelado. Ele é uma lembrança constante de que, por mais doloroso que seja, certas coisas não podemos segurar. Como a brisa que passa entre os galhos, ela foi embora, intangível, inalcançável. Restou-me apenas aceitar. Restou-me conviver com a ausência que, embora silencioso, grite todos os dias ao meu redor. 

 Volto a olhar para a janela. O céu, tão estrelado, parece zombar da minha insignificância. Tudo lá fora permanece inalterado, como se o universo não se importasse com as pequenas tragédias humanas; sobretudo quando se trata de dramas lésbicos. No entanto, há algo reconfortante na sua vastidão. As estrelas brilham independentemente de nossas dores, lembrando-nos de que o tempo não para, e nós também não devemos parar. Talvez seja essa a única verdade com o que posso me consolar agora. 

 Mas, enquanto lamento essa perda, não posso ignorar o calor que sinto nas cobertas ao meu lado. Volto meus olhos para a cama, onde minha esposa dorme em silêncio, o rosto sereno e os cabelos espalhados sobre o travesseiro. Ela, que esteve comigo em todas as estações, testemunhou minhas quedas e ainda assim escolheu ficar. Talvez, no fundo, seja essa a beleza das coisas: algumas folhas caem, outras permanecem. Algumas árvores não sobreviveram ao inverno, mas outras, ah, outras florescem mesmo após as piores tempestades. 

 Escrevo sobre Rosário, mas escrevo também para lembrar-me de que, apesar de tudo, eu não estou sozinho. As feridas que ela deixou em mim ainda ardem, como cicatrizes que o tempo se recusa a curar de imediato. No entanto, o amor que compartilho com a mulher que dorme ao meu lado é como a lua lá fora — nem sempre cheia, mas sempre presente. Uma presença tranquila, uma luz suave que ilumina as partes mais escuras de mim, quando o sol se esconde. 

 A noite continua sua dança lá fora, independente dos meus sentimentos. E eu, ainda com a caneta em mãos, respiro fundo. Aceito que Rosário se fosse. Aceito que o amor que senti por ela foi real, mas não correspondeu. Não foi um erro amar, foi apenas o curso natural da vida. A lua se ergue, as folhas caem, e o vento continua a soprar. 

 Fecho este diário com uma última frase, talvez mais para mim mesma do que para qualquer outra pessoa que um dia possa lê-lo: 

 "Às vezes, perder é apenas uma forma de encontrar o que realmente importa."